24 January 2007

Sem Rumo III - A primeira Viagem

Ao entrar no comboio não pude deixar de sentir que talvez estivesse a cometer o maior erro da minha vida. Tive vontade de desistir, voltar para casa e assumir a rotina de sempre. Mas já não era possivel. Eu não podia voltar, e acima de tudo, eu não queria voltar. Sentei-me e vi Lisboa ficar para trás através da janela. Despedi-me assim de tudo e de todos que tinham feito parte da minha vida. Permaneci imovel durante toda a viagem, talvez paralisado pelo receio das consequências do que acabava de fazer.

Cheguei a Espinho e depois de um pequeno passeio percebi que não era ali o meu destino, não era por ali que queria ficar. Apanhei então um transporte que chamam "Vouguinha" e acabei na cidade de Santa Maria da Feira. Porquê? Não sei. Mas senti que era ali que tinha que ficar.

Depois de andar um pouco a fome apertou. Afinal ainda não tinha comido nada o dia todo. O sol já se ia despedindo e a noite ameaçava chegar a qualquer momento. Sentei-me numa esplanada de um café chamado "Orfeu" e não pude deixar de me rir quando pedi uma sandes mista e um café. Afinal nem todos os hábitos se podem perder...

Foi só nessa altura que me apercebi que ainda não tinha pensado onde dormir. Não podia ficar na rua, mas também não sabia onde me dirigir. Tinha então duas hipoteses: ou ia passear pela cidade e tentar encontrar algum sitio, ou perdia a vergonha na cara e perguntava a alguém. E foi então que o vi. Ele acabava de chegar e estava a sentar-se numa mesa perto da minha. Decidi arriscar e fui meter conversa com ele. Comecei por me apresentar e explicar a situação em que me encontrava. Ele apresentou-se visivelmente desconfiado. Também não era para menos, esta não era uma situação tipica.

Acabamos por falar durante algum tempo. Ele estava à espera de uma amiga, mas como percebeu a minha situação, acabou por lhe mandar uma mensagem a desmarcar e decidiu mostrar-me a sua cidade. Um verdadeiro "filho da terra" com orgulho nas suas raizes. Como já era tarde indicou-me o "Hotel Nova Cruz" e ficou prometido um passeio mais detalhado pela cidade no dia seguinte.

Fui deitar-me com a sensação de que ainda existe gente boa neste mundo. E dormi com uma paz e alegria que já não sentia há muito tempo...

Foto gentilmente cedida por Ogi (obrigado)

11 January 2007

Querido Diario I


Encontrei um diário antigo. Talvez o mais correcto a fazer seria deixar as suas memórias enterradas, mas a verdade é que não resisti e violei os segredos mais profundos de outra pessoa... A curiosidade falou mais alto. O pior de tudo é que não resisti em partilhar esses segredos com todos os que os queiram ler... Desde já as minhas desculpas à dona destas páginas. Só espero que um dia me possa perdoar...

Quarta-feira, 2 de Dezembro de 1998

Querido Diário,

Antes de mais desculpa. Sei que já não escrevo à muito tempo, mas a verdade é que com os testes e isso tem sido difícil. Mas hoje era impossível não te contar o que me aconteceu: dois dos maiores sustos da minha vida. Logo de manhã, depois de acordar e ir até à casa de banho, ia desmaiando quando passei pelo espelho. Tinha uma borbulha enorme mesmo no meio da testa. Tive um trabalhão para disfarçar aquela coisa. Quase uma hora em frente ao espelho a aplicar cremes e loções da mamã, até aquilo desaparecer. Ou melhor até ninguém a conseguir ver porque ela continuava lá. Mas isto não foi nada comparado com o que aconteceu de tarde.

Como eu não podia sair de casa porque a mamã podia telefonar, o Jó-Jó veio ter comigo em vez de irmos para o café... Trouxe-me uma rosa e tudo! Cada vez me sinto mais apaixonada por aquele rapaz (vê lá tu que nem consigo estar perto dele sem corar).

O pior foi quando a mamã chegou do trabalho. Não demos pelo tempo passar. A sorte foi que consegui escondê-lo na dispensa até a mamã ir tomar banho, altura que ele aproveitou para sair. Sinto-me tão feliz com o Jó-Jó que era capaz de tudo para salvar o nosso amor!

Até breve...

A. S.


10 January 2007

Sem Rumo II - O dia Seguinte


Merda de vida. Fartei-me. Não posso mais continuar assim... Esta ia ser uma manhã como tantas outras, um dia igual a todos os dias da minha vida. Mas não, desta vez não. Levanto-me com uma energia que eu próprio não reconheço. Tomo o meu banho e em vez de me preparar para o trabalho começo a fazer a mochila.

Saio de casa, sem destino e com a mochila às costas. Passo pelo café do Sr. Jorge e sinto-me tentado a entrar. São anos de cafézinhos e sandes mistas todas as manhãs. Paro à porta. Por momentos penso: "O que estou eu a fazer?"

O Sr. Jorge acena-me e desperta-me de novo para a dura realidade. Retribuo o gesto, mas não entro, sigo viagem.

Vagueio pelas ruas da cidade. As pessoas passam por mim, indiferentes às minhas duvidas, aos meus receios, presas no seu mundo, nas suas alegrias, nas suas dores. Quando dou por mim estou na Gare do Oriente. Olho à minha volta. Uma mãe despede-se aflita do seu filho e do grupo de amigos deste, fazendo as recomenações habituais das mães nestas ocasiões. Mais à frente, um reencontro. Ela sorri, ele larga o seu saco de viagem, corre para ela e abraça-a... Um abraço tão terno, tão profudo, tão apaixonado que é impossivel ficar-lhe indiferente. E sinto-me feliz pela primeira vez em muito tempo.

Olho para o placar com as linhas. O nome Espinho salta-me à vista. E penso: "Porque não?". Compro o bilhete e quando me dirigia para a plataforma oiço o telemovel. Dez chamadas não atendidas do meu chefe. Novamente a duvida toma conta de mim. É melhor esquecer tudo isto e voltar para casa. E é então que aquele abraço me invade de novo o espirito. Tiro o cartão do telemovel, parto-o em dois e deito os seus restos mortais no lixo e sigo o meu caminho.

Inicio assim a minha viagem...

07 January 2007

Numa Casa Portuguesa I - A família Almeida

"-Oh Rosa.... ROSA.... Oh Rosita...
- Que é queres Zé António? É preciso tares aos berros??"

Dona Rosa surge na sala, de avental vestido, com as mãos ainda cheias de farinha, das pataniscas que estava a fritar...

"-Oh Rosita traz-me aí uma cervejola...
-Deus nosso Senhor cortou-te as mãos ou as perninhas pra não poderes vir até à cozinha?"

Dona Rosa volta para a sua bancada, praguejando em surdina, enquanto Zé António relamava para a TV as suas lamúrias...

"-Oh Homem... Vai xamar os miudos... Tenho o arroz de feijão já feito e as pataniscas tão quase fritas..."

Zé António levanta-se vagarosamente do seu sofá e dirige-se em passo muito lento para o jardim do bairro...

"-Cátia Vánessa.... Luis Pedro.... Sandra Sofia.... Vamos almoçar que a vossa mãe já tá com os azeites..."

Os três irmãos de 19, 17 e 16 anos surgem em casa, atrás do pai... Da cozinha surge a voz um pouco irritada da matriarca...

"-Sandra Sofia! Cátia Vánessa! Ponham a mesa... Daqui a nada comem esta porra fria e depois dizem que não gostam...
-Oh Rosita é preciso tares assim?
-Cala-te Zé António... Se não tivesses passado a manhã com o cu colado ao sofá e me tivesses ajudado mais..."

Os cinco sentam-se à mesa e começam o seu almoço de domingo. O silêncio reina na refeição, só quebrado pela televisão que teimava em anunciar as desgraças do mundo.

"-Rosa... Tens tido notícias da tua irmã?
- Fodasse tinhas que me estragar o domingo... Não me fales dessa gaja...."

02 January 2007

Sem Rumo I - Diário da Solidão

Está frio... Acordei e olhei para o relogio... Ainda é cedo, muito cedo. Lá fora a lua ainda me ilumina através da janela. Viro-me para o lado e penso como será o meu dia hoje... Espero pacientemente que o despertador me chame de volta para a realidade. Assim que ele toca dou um pulo da cama e rumo até á casa de banho em passo de corrida (afinal com este frio o melhor é apressar me em tudo). Antes de entrar para o banho olho para o espelho e sorrio: "Que surpresas me trará o dia de hoje?"

Passeio pela rua... Não se vê ninguém. Mas a esta hora é natural. Quem me manda ter um emprego onde tenho que ir trabalhar quase de madrugada? As montras chamam por mim... Devia comprar algo para mim hoje... Logo à tarde penso nisso.

Entro no café de sempre para tomaro pequeno almoço! Já todos me conhecem lá, sou "quase da casa", como o Sr. Jorge custuma dizer enquanto me serve a bica e uma sandes mista. E hoje não foi excepção... Ele falou e falou, qualquer coisa da bola entre outras banalidades. O meu sorriso e alegria matinal foram dando lugar a indiferença... Afinal não era nada daquilo que eu queria ouvir hoje. Paguei e saí à pressa com a desculpa que estava a ficar atrasado.

Pensei que as coisas poderiam melhorar quando chegasse à fábrica, mas não... Os habituais bons dias, as conversas banais.... Eu fingia me atento mas no fundo nem sequer estava com atenção ao que diziam. Ia sorrindo e abanando a cabeça para que pensassem que também eu participava na conversa.

A manhã passou com as tarefas habituais e rotineiras. Durante a hora de almoço decidi ir experimentar o café novo, aquele de esquina. Acabei a almoçar sozinho e sem que o meu telemovel desse sinais de vida.

Durante a tarde foi mais do mesmo. Mais rotinas, mais conversas de circunstancia, mais trabalho, em suma, um dia igual a tantos outros.

Despedi-me de todos com a moral cada vez mais em baixo e fui para casa. Abri o correio e ... Nada. As contas do custume, o folheto da Telepizza...

Sentei-me no sofá, triste. Ainda esperei por algum convite para jantar mas o telemovel permaneceu morto....

Antes de me ir deitar fui até à casa de banho lavar os dentes. Olhei-me novamente ao espelho e enquanto as lagrimas me desciam pela face cantei:
"Parabéns a você!
Nesta data querida..."

Snow Storm - O Inicio

Na noite fria a lua reflecte-se em tons de prata no mar revoltado. As ondas invadem areia sem pedir licença. O nevoeiro começa a formar-se, primeiro timidamente, depois com uma força nunca antes vista! A temperatura desce drasticamente. Deixo-me invadir pelo nevoeiro... Está frio aqui...

E é então que começo a sentir os primeiros flocos de neve. Em pouco tempo a areia desaparece para dar lugar a um manto branco, gélido…

Começa assim a Tempestade de Neve!!!